segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pensamento





A uma hora dessas,
Por onde estará seu pensamento.
Terá os pés na pedra
Ou vento no cabelo?

A uma hora dessas,
Por onde andará seu pensamento.
Dará voltas na Terra
Ou no estacionamento?

Onde, longe
Londres, Lisboa...
Ou na minha cama?

A uma hora dessas,
Por onde vagará seu pensamento.
Terá os pés na areia
Em pleno apartamento?

A uma hora dessas,
Por onde passará seu pensamento.
Por dentro da minha saia
Ou pelo firmamento?

Onde, longe,
Lemy, Luanda...
Ou na minha cama?...


ADRIANA CALCANHOTO

domingo, 15 de novembro de 2009

Cartas à minha flôr II

Gostava de não te escrever só para me lamentar da vida, para dizer como estou cansada dela. Mas de facto é isto que me ocupa metade do pensamento, e é só contigo que o posso partilhar. O mundo tem tantos recantos bonitos, tem tantas alegrias, em factos simples e em coisas mais elaboradas.
A vida é azulinha clara, com sonhos verde lima e sorrisos cor de rosa. E contigo pelo meio, a segurar-me a mão, e a emocionar-te com o que ás vezes te conto.

Mas a minha vida não teve pai que me protegesse, nem mãe
 que me adormecesse no colo. Não conheceu festas de anos tranquilas nem Natais com paz. A minha vida não soube o que era ajuda para fazer os trabalhos de casa, não teve ninguem para ir ás reuniões do colégio. A minha tenra vida sempre foi a minha única companhia quando ia levar as vacinas, ou quando dormia em casa de deconhecidos, sem jantar.
Não presenciou paciencia para me ver crescer, não ouviu concelhos saudáveis, nem viu respeito quando me tornei mulher.
A minha vida continua a suportar comigo os berros que a casa emana todos os dias, a amparar as palavras cuspidas em horas de dormir.

Do pão que o tal senhor amaçou já provei bastante, já dormi com ele ao lado, já consumi todos os seus venenos.

Agora tenho tanto que há pouco tempo não sonhava, mas sabes que não sou feliz. Nada chega a ser verde lima nem cor de rosa. Tudo o que quis já foi demasiado sofrido e mesmo que venha já está cansado e pálido.

Este fim de semana vamos estar juntas, celebrar o facto de nos termos! Vamos comer tremoços sentadas no chão e rir como só nós sabemos. E sem pressas.


Sem nenhuma conclusão, mas apenas como desabafo. Um beijo.